Transtorno do espectro do autismo (TEA)

Quais os tipos de intervenções (tratamentos) indicadas após o diagnóstico do TEA?

Em razão da complexidade e das diferenças encontradas no TEA de uma criança para outra, existem diferentes tipos intervenções utilizadas no mundo, ao ponto de distintas intervenções serem utilizadas em diferentes regiões de um mesmo país. No entanto, existe um consenso na comunidade científica, em relação a alguns critérios.

O primeiro critério é a implementação precoce, isto é, que seja introduzida o mais breve possível no momento da confirmação do diagnóstico, principalmente, quando o diagnóstico foi confirmado nos primeiros 24 meses de vida ou mesmo quando a constatação dos casos com forte suspeita de TEA (mesmo sem diagnóstico comprovado no momento da avaliação, sendo menos aprofundada a avaliação e acompanhamento sistemático para uma melhor observação) tenha sido comprovada através de instrumentos de triagem específicos, eficazes do ponto de vista científico para esse propósito. O segundo critério, seria que a intervenção indicada, seja baseada em técnicas que tenham um número aceitável de estudos, de preferência “padrão ouro”, cujas evidências comprovem a sua eficácia.

Quando se indica uma determinada intervenção para o tratamento de crianças com TEA, além dos critérios mencionados, outros devem ser considerados de suma importância, como: nível de funcionamento da criança (por exemplo: nível de inteligência, naqueles casos de possível mensurá-la), idade do diagnóstico, tempo transcorrido desde o diagnóstico até a indicação da intervenção, diagnóstico de outros transtornos associados, nível de linguagem, estruturação familiar e acesso às intervenções por parte da família (item a ser seriamente considerado na nossa realidade). Um outro aspecto primordial é que a intervenção seja feita, de preferência, por uma equipe interdisciplinar. O conjunto desses critérios faz com que o tipo de intervenção a ser implementada tenha um caráter individual e personalizado. Didaticamente, com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor, dividimos as intervenções em:

1. Intervenções não farmacológicas indicadas para crianças e adolescentes com TEA: indicadas para crianças ou adolescentes com TEA, onde não encontramos determinados sintomas emocionais e/ou comportamentais disfuncionais (que causem prejuízos diversos na qualidade de vida da criança e que impeçam o início ou a continuação de outra intervenção), condições médicas ou psiquiátricas associadas que justifiquem o uso de determinados “psicofármacos”.

2. Intervenção Farmacológica para crianças e adolescentes com TEA: indicada para crianças e adolescentes com TEA onde seriam identificados os critérios de indicação para o uso de psicofármacos em crianças e adolescentes com TEA. Na nossa prática de anos acompanhando crianças e adolescentes com TEA, diríamos que, na maioria dos casos nos quais o diagnóstico foi confirmado entre os dezoito e vinte quatro meses de idade, não houve indicação para intervenção psicofarmacológica. No entanto, existem situações concretas para o uso de psicofármacos (critérios) nas quais seu uso é essencial, já que determinados sintomas são extremamente disfuncionais na esfera comportamental e/ou emocional, na presença de certas condições clínicas associadas que interferem na qualidade de vida da criança e da família.

Problemas na esfera comportamental, ex: comportamento auto e heteroagressivo (comportamento dirigido a outras pessoas ou objetos) imotivados e desproporcionais, transtornos relacionados ao sono, transtornos de ansiedade, oscilações do humor acompanhadas de irritabilidade disfuncional, transtornos depressivos, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – TDAH (um dos transtornos mais frequentes associados ao TEA), epilepsias etc.

3. Associação de intervenções farmacológicas e não farmacológicas: essa associação teria como objetivos a facilitação das intervenções não farmacológicas e tratamento de determinada condição médica ou psiquiátrica com indicação do tratamento psicofarmacológico já citado. Essa associação, em relação ao TEA, não se mostra tão rara na prática clínica, em decorrência de muitos transtornos associados e sintomas disfuncionais associados ao TEA (chamamos essa associação de comorbidade).

Entre as intervenções não farmacológicas, podemos citar:

Análise do comportamento aplicada (ABA):

É a intervenção com maior número de estudos, demonstrando a sua eficácia, sendo a mais conhecida das intervenções com base nas teorias comportamentais. Atualmente, existem diversas intervenções, abordando as teorias comportamentais voltadas para o desenvolvimento. Existem diferenças entre elas, no entanto, compartilham dos mesmos princípios básicos no tocante aos protocolos originais da ABA. Os programas, com base na ABA, devem ser aplicados de forma intensiva, por profissionais com treinamento especializado e capacitados tecnicamente. Devem ser administrados de forma intensiva em períodos de 15 a 20 horas semanais para se obter o melhor nível de eficácia, considerando-se a particularidade de cada caso.

TEACCH (Tratamento e Educação de Autistas e Crianças e Adultos com Deficiência de Comunicação):

O TEACCH trata-se de uma intervenção com base na estruturação do ambiente pedagógico-terapêutico, com o estabelecimento de rotinas, o planejamento da sequência e a duração das atividades. Os princípios básicos são a utilização do tempo e do ambiente físico de uma maneira que aumente a autonomia, comunicação e previsibilidade, eliminação ou diminuição de comportamentos mal adaptados. O envolve basicamente a observação criteriosa dos comportamentos das crianças com TEA em diferentes ambientes, frente a diferentes estímulos; é fundamental a participação dos pais em todo o processo. Para facilitar a aplicação do TEACCH foi elaborado um instrumento chamado PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado). Trata-se de um instrumento em que a criança é avaliada, visando um detalhamento minucioso de suas habilidades e de suas dificuldades em determinadas áreas, permitindo a elaboração de um programa individualizado.

■ Picture Exchange Communication System (PECS) - Sistema de Comunicação Através de Trocas de Figuras:

Técnica de intervenção desenvolvida por Lori Frost e Andrew Bondy em 1994, indicada para crianças com TEA que não adquiriram linguagem verbal (não falam) ou que apresentem linguagem verbal desorganizada do ponto de vista comunicativo, isto é, uma intervenção dirigida para facilitar a aquisição das habilidades funcionais da comunicação. De utilização prática, onde não são utilizados materiais sofisticados ou caros, flexível, podendo ser aplicada e adaptada para diferentes ambientes. Adequadamente aplicada, apresenta resultados consistentes e animadores na comunicação. A técnica de intervenção é realizada através da troca de cartões com figuras. A comunicação, através do PECS, torna a linguagem da criança com TEA mais eficiente para conseguir determinado objetivo. Com a melhora da comunicação, ocorre uma tendência no tocante à diminuição dos comportamentos mal adaptados.

Terapia de integração sensorial:

Caracteriza-se por processar, simultaneamente, diferentes tipos de mensagens sensoriais que ajudam a melhorar a consciência sensorial e a resposta, usando uma variedade de estímulos (exemplo: trabalho na piscina, bolas, trampolins, massagem, luzes coloridas ou objetos com texturas incomuns). Para Posar e Visconti, em um artigo de revisão publicado no Jornal de Pediatria, a terapia pautada na integração sensorial tem sido aplicada para crianças com TEA que apresentam problemas na modulação do complexo estímulo - resposta sensorial, que podem ser sensíveis a particulares tipos de estímulos (como textura e ruídos). A integração sensorial, centrada na criança, usa atividades lúdicas e interações sensoriais aprimoradas para melhorar as respostas adaptativas a experiências sensoriais. Por meio de atividades motoras, que ativam os sistemas vestibulares e somatossensoriais, tais intervenções visam melhorar a capacidade de integrar informações sensoriais, levando a criança a adotar comportamentos mais organizados e mais adaptados. As autoras citam progressos em relação à atenção conjunta, às habilidades sociais, ao planejamento motor e às habilidades perceptuais. O número de estudos abordando a integração sensorial tem aumentado, consideravelmente, com evidências bem documentadas em relação a sua eficácia. Atualmente, a maioria dos serviços especializados de excelência no acompanhamento de crianças e de adolescentes com TEA, já dispõem de profissionais capacitados para a aplicação da integração sensorial, como parte do planejamento terapêutico, considerando-se, naturalmente, cada caso e consequente indicação.

Entre outras intervenções utilizadas com a participação de profissionais especializados que contribuem efetivamente, fazendo parte ou não, de equipes interdisciplinares para o tratamento de crianças e adolescentes com TEA, destacaríamos:

  • Acompanhamento fonoaudiológico, cujo profissionais utilizam técnicas especializadas;
  • Professor Auxiliar;
  • Acompanhante Terapêutico (AT);
  • Atividade física sistemática, supervisionada por profissional especializado no acompanhamento de crianças e adolescentes com TEA.

FONTES:
Posar A, Visconti P. Sensory abnormalities in children with autism spectrum disorder. J Pediatr. 2018; 94:342-50. (http://creativecommons.org/licencies/by-nc-nd/4.0/).
Catherine Lord, Mayada Elsabbagh, Gillian Baird, Jeremy Veenstra-Vanderweele. Autism spectrum disorder. Lancet. 2018; August 11; 392(10146): 508–520. doi:10.1016/S0140-6736(18)31129-2.
Carr D, Felce J. The effects of PECS teaching to hase III on the communicative interactions between children with autism and their teacher. J Autism Dev Dis. 2007; 37:724-737.
Schopler E, Mesibov GB, Hearsey K. Structured teaching in the TEACCH system. In: Schopler E, Mesibov G (eds). Learning and Cognition in Autism. New York: Plennum Press, 1995.
Mello, AMS. Autismo: Guia Prático, 4ª. Edição. São Paulo: AMA; Brasília: Corde, 2005.