Transtorno do espectro do autismo (TEA)

icone Como é feita a avaliação para o diagnóstico do TEA? Existem exames específicos ou testes que confirmem o diagnóstico?

Nos últimos quinze anos houve um grande esforço da comunidade científica na identificação dos sinais e dos sintomas precoces relacionados ao TEA, visando o diagnóstico e, consequente, implementação das intervenções igualmente de caráter precoce. Entretanto, no Brasil, existem enormes abismos regionais, não só na estrutura dos serviços oferecidos e na formação técnica adequada dos profissionais envolvidos, como no número dos serviços especializados para o acompanhamento, diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes com TEA. Nesse contexto não podemos deixar de mencionar a iniciativa do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Associação Brasileira de Pediatria, o qual publicou em abril de 2019, um Manual de Orientação, voltado para pediatras, tendo como objetivos principais a identificação precoce dos casos suspeitos de terem TEA, atualização do tema, ênfase nas intervenções precoces. O artigo foi publicado em português, de forma clara, objetiva e consistente do ponto de vista científico.

Em 2011, elaboramos um roteiro de avaliação voltado para o diagnóstico de crianças com TEA, inserido no Capítulo 6, do livro ‘Autismo – Uma Abordagem Prática”, em sua 2a edição (2011). Enfatizando que a 3ª edição revisada e ampliada está em fase final de revisão.

De forma sumária, serão abordados os principais tópicos que fazem parte da avaliação clínica para o diagnóstico do TEA:

História Clínica Detalhada:

  • Descrição detalhada dos sintomas: idade de aparecimento, frequência, características dos sintomas, áreas do desenvolvimento mais comprometidas (comunicação e interação social etc.), a utilização de vídeos gravados pelos pais do cotidiano da criança ou em eventos festivos como festas de aniversário, festas da escola etc.;
  • Ênfase durante as consultas (numa linguagem natural, não intrusiva e/ou invasiva motivada muitas vezes pela suspeita do diagnóstico por parte do profissional) em áreas do desenvolvimento como comunicação, interação social, presença de determinados comportamentos (como padrões restritos e repetitivos de interesses ou atividades de natureza disfuncionais), destacando a frequência e descrição, tratamentos anteriores;
  • Relacionar a presença dos sintomas com marcos importantes do desenvolvimento. Ex: desenvolvimento da linguagem;
  • Solicitar, quando possível, relatórios por escrito da escola ou de outros profissionais que acompanham a criança ou o adolescente;
  • Investigar a presença dos sintomas ou dos comportamentos disfuncionais em mais de um contexto (ambiente familiar, escolar ou terapêutico);
  • Tentar identificar a presença de outros transtornos associados, como TDAH, deficiência intelectual, transtornos de ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo-TOC, transtornos alimentares, alterações no sono. Condições de natureza genética, como síndrome do cromossomo X-frágil, esclerose tuberosa e síndrome de Williams, condições clínicas como epilepsia e transtornos gastrointestinais, comprometimento na função motora, como alterações relacionadas ao andar ou mesmo alterações motoras finas;

Antecedentes Hereditários

  • Identificação de casos do TEA diagnosticados em parentes próximos (como irmão, primos ou, algumas vezes, em um dos pais quando possível); identificação de outros transtornos do neurodesenvolvimento que podem vir associados ao TEA ou a condições clínicas ou genéticas que possam ter importância no diagnóstico.

Antecedentes Pessoais

  • Condições de gravidez e parto: acompanhamento pré-natal regular, ameaça de aborto durante a gestação, uso de fármacos, de drogas ilícitas, de álcool, tabagismo durante a gestação (no caso do fármaco, tentar identificar o nome, tempo de uso e idade gestacional), infecções, principalmente, no primeiro semestre (citomegalovírus, rubéola, herpes, varicela etc.). Fatores de risco como baixo peso ao nascer (menor que 1500g), idade dos pais, (fator de risco maior para mães com mais de 40 anos e pais com mais de 50 anos), sinais indicativos de sofrimento fetal (relatados pelos pais ou relatório médico pós-parto); curto intervalo de tempo entre uma gravidez e outra (menor que 24 meses). Ressaltamos que nos referimos a fatores de risco (os quais explicaremos, com mais detalhes, o grau de importância de cada um em tópico específico a ser postado brevemente).
  • Exame Psíquico (exame do estado mental) - essencial para confirmar ou não o diagnóstico. Deve ser realizado sem pressa, num ambiente tecnicamente adequado, sendo aconselhável que a observação da criança seja feita em várias consultas; inicialmente com a presença dos pais (dependendo do caso, já que muitas crianças não aceitam ficar no consultório sem a presença dos pais, demonstrando sinais de comportamento de evitação em relação ao profissional ou ambiente) e, posteriormente, só com a criança ou adolescente (dependendo do caso). Durante o exame psíquico, o profissional poderá identificar importantes sinais e sintomas ligados ao TEA, bem como, na medida que transcorre a observação/avaliação (na presença dos pais ou cuidadores e observação da criança) torna-se possível a aplicação de determinados instrumentos de entrevista que ajudarão no diagnóstico. Durante o exame psíquico, de preferência, deve-se enfatizar:
  • Interação social e comunicação: linguagem expressiva (através da fala se presente ou linguagem, se tem função comunicava, identificação de estereotipias como ecolalia, dificuldade em iniciar ou manter uma conversação que fuja do seu foco principal de interesse, considerando-se naturalmente a idade cronológica da criança etc.) e linguagem receptiva (capacidade da criança entender, considerando-se o nível de desenvolvimento, perguntas, orientações, expressões metafóricas etc.)
  • Identificação de comportamentos estereotipados e repetitivos;
  • Contato visual;
  • Desenvolvimento da capacidade de imaginação e de faz de conta;
  • Identificação de possíveis alterações motoras e/ou sensoriais;
  • Sintomas de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH),
  • Identificação de sintomas e/ou transtornos associados ao TEA – aumento da atividade motora, variados graus de dispersão, oscilações do humor, presença do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), sintomas de ansiedade, comportamento autoagressivo ou hereteroagressivos etc.
  • Exame Físico: dependendo do contexto pode ser realizado no decorrer do exame psíquico, tem como objetivo a identificação de sinais específicos presentes em algumas doenças genéticas ou clínicas; tentar identificar sinais de lesões agudas ou crônicas, resultantes da presença de comportamento autoagressivo, geralmente de caráter repetitivo (como ferimentos localizados nas mãos ou braços, calos resultantes da cicatrização de ferimentos antigos ou manipulação local crônica etc.), reatividade a estímulos sensoriais, observação da coordenação motora etc.
  • Avaliação neurológica: Dependendo do caso (Ex: presença de doenças neurológicas associadas como epilepsia, transtornos relacionados ao desenvolvimento da coordenação etc.) a criança deve ser encaminhada a um profissional especializado em neuropediatria.
  • Avaliação genética: no caso de haver suspeita ou certeza da presença de doença genética associada, bem como, avaliar a necessidade da solicitação de determinados testes genéticos específicos.
  • Avaliação da função auditiva: pode ser realizada por um otorrinolaringologista quando se pretende uma investigação de caráter mais diagnóstico ou por um fonoaudiólogo, responsável pela realização de alguns testes específicos no sentido de identificar ou não déficits auditivos.
  • Entrevistas (escalas) específicas de Triagem e Diagnóstico - Saiba Mais
  • Nos últimos anos houve um grande avanço científico na compreensão dos mecanismos ligados às causas genéticas, neurobiologia, identificação precoce, instrumentos de triagem e diagnóstico direcionados ao TEA. Entretanto, a confirmação do diagnóstico é feita através de uma avaliação clínica minuciosa, visando a identificação de determinados sintomas que provocam déficits em áreas específicas do desenvolvimento. Até o momento, não existe qualquer exame que utilizado isoladamente fecharia/confirmaria o diagnóstico. A partir da avaliação direcionada ao TEA, é possível identificar a presença de determinados sintomas que causam prejuízo nas áreas (domínios) relacionadas à comunicação social, interação social e presença de determinados padrões restritos de comportamentos e interesses ou atividades disfuncionais. Os prejuízos (déficits) devem estar presentes em múltiplos contextos (ambiente familiar, escolar etc.), devem causar prejuízos significativos no funcionamento social e profissional (no caso dos adultos com TEA) ou em outras áreas importantes da vida da criança como aprendizado, comportamento, capacidade de adaptação e autonomia, resultando em importante prejuízo da qualidade de vida da criança, adolescente ou adulto e familiares.

    Não existe no TEA um sinal ou sintoma específico, que quando presente determinaria obrigatoriamente o diagnóstico de uma doença, como ocorre em algumas condições clínicas em medicina (chamado de sinal ou sintoma patognomônico). Naturalmente, existem critérios para a confirmação do diagnóstico, os critérios são identificados através dos chamados manuais de diagnóstico. No Brasil, como manual oficial de diagnóstico é utilizada a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Existe a previsão da nova versão, a CID-11, ser oficialmente utilizada em 2022, como instrumento de diagnóstico e de pesquisa no mundo (com interesse particular para aqueles países que a utilizam oficialmente como manual de diagnóstico), a nova versão do manual, substituirá a antiga CID-10.

    Outro manual de diagnóstico reconhecido e utilizado mundialmente tanto como instrumento de pesquisa, como manual oficial de diagnóstico em alguns países (entre eles, os Estados Unidos), é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua 5ª. Edição (DSM-5). Válido no Brasil, pode ser utilizado como instrumento de pesquisa, referência para complementação teórica na elaboração de laudos, pareceres psiquiátricos expedidos para os diversos fins, mas nunca como manual oficial para expedição de qualquer diagnóstico.

    FONTES DO TÓPICO:
    American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th edition, (DSM-5). Washington, DC: American Psychiatry Association, 2013.
    Bandim, JM. Autismo.Uma Abordagem Prática (2a edição). Recife: Edições Bagaço, 2011, pp. 47-60. Idring S, Magnusson C, Lundberg M, et al. Parental age, and the risk of autism spectrum disorders: findings from a Swedish population-based cohort. Int J Epidemiol 2014 43: 107–15. (PubMed: 24408971).
    World Health Organization. Classification of Mental and Behavioral Disorders. Clinical descriptions and diagnostic guidelines – ICD-10. Geneva: World Health Organization, 1992.
    Hyman SL, Levy SE, Myers SM. Identification, evaluation, and management of children with autism spectrum disorder. Pediatrics. 2020;145(1): e20193447. https://www.aappublications.org/news.