Transtorno do espectro do autismo (TEA)

Interação Social e Comunicação social

Comunicação significa um intercâmbio de informações. Pressupõe, ainda, motivação, intencionalidade, atenção e racionalidade, visto que significa um intercâmbio de representações e/ou intenções entre pelo menos dois interlocutores. Linguagem, portanto, é uma designação (comunicação) que não indica somente o canal vocal, ou seja, a fala. Temos ainda dentro da linguagem um canal não vocal, expressa a grosso modo, através de códigos (Ex: expressões faciais, a mímica, gesticulações motoras com destaque nesse grupo para as expressões faciais, as quais nos dão pistas sobre estados afetivos) e concluindo a linguagem escrita, como forma de comunicação. Temos então, de forma sumária, os elementos do que chamamos de linguagem expressiva. Outro tipo de linguagem de interesse dentro do tópico, seria a linguagem receptiva fundamental para comunicação e interação social, é a linguagem receptiva, caracterizada pela capacidade das crianças, compreender o que ela ouve e vê através dos gestos, e numa etapa seguinte o que ela lê. Em resumo: compreender habilidades fundamentais inseridas dentro da linguagem expressiva, com ênfase no canal vocal (fala) e não vocal (gestos), como habilidades de maior importância dentro do que vamos nos ater. Dessa forma, dentre as alterações principais encontradas no TEA dentro dessa dimensão teríamos:

  • Déficits relacionados propriamente à fala, variando desde atrasos na linguagem (um dos primeiros sintomas observados) ou ausência total da fala (mutismo ). Habilidades mais formais podem até estar preservadas, em relação ao vocabulário e gramática, no entanto, o seu uso é disfuncional ou não comunicativo;
  • Déficits nos múltiplos na compreensão de comportamentos não verbais, como contato visual direto, expressão facial, posturas, gestos corporais, faciais etc. importantes na interação social;
  • Padrões de contato visual, os quais podem estar ausentes, serem realizados de forma atípica ou mesmo rápida;
  • As crianças mais jovens podem demonstrar pouco ou nenhum interesse em estabelecer amizades; a face humana é pouco atrativa (demonstram pouco interesse pela mesma), observam-se alterações no desenvolvimento da atenção compartilhada, pouco apego e outros aspectos ligados à interação social;
  • Comprometimento importante na capacidade de iniciar ou manter conversação, naquelas crianças que tenham linguagem) ou quando mantém está relacionada a temas restritos de seu interesse;
  • Inversões pronominais. O uso do “tu” ou do “próprio nome” para se referir a si mesmo;
  • Uso estereotipado e repetitivo da linguagem, Fala em eco (ecolalia ). Ex: repetição de palavras ou frases, repetições de comerciais etc), independentes do significado;
  • Alterações no timbre da voz, alterações na prosódia . Ex: a voz pode ser monótona ou elevar-se de modo interrogativo no final de frases afirmativas.

Mutismo: caracteriza-se pela ausência da fala articulada, o mutismo sem surdez além de ocorrer no transtorno do espectro do autismo, na deficiência mental grave (permanência na fase de balbucio). Entretanto, sua causa mais frequente é a surdez congênita precoce adquirida.
Atenção compartilhada: caracterizada pela ausência de gestos como apontar, mostrar ou trazer objetos para compartilhar o interesse geralmente como os pais (ou cuidadores) ou mesmo dificuldade para seguir o gesto indicador de outra pessoa.
Ecolalia: repetição da última ou das últimas palavras de alguém do ambiente que se dirigiu ao paciente, fenômeno involuntário, automático, sem planejamento ou controle. Os comportamentos em eco podem revelar perda do controle da atividade voluntária e substituírem atos automáticos relacionados ao ambiente. Pode dividida em ecolalia imediata (ocorre logo ao ouvir uma palavra, frase ou mesmo uma canção) ou ecolalia tardia (pode ocorrer minutos, horas, ou mesmo dias após a criança ouvir uma palavra ou frase). Os comportamentos em eco podem revelar perda do controle da atividade voluntária.

Sobre a interação social: definida como atividade compartilhada, em que existem trocas e influências recíprocas. Isto implica em que a criança se relacione com outras, compartilhe sentimentos, gestos, emoções e consiga discriminar diferentes pessoas com diferentes expressões, consequentemente, em diferentes contextos. Principais alterações:

  • Observa-se uma falta de busca espontânea pelo prazer compartilhado, interesses ou realizações com outras pessoas;
  • Crianças de maior idade podem até ter interesse por amizades, mas não compreendem as convenções envolvidas na interação social;
  • Crianças mais jovens e com maior comprometimento podem ser distantes ou resistentes à interação, enquanto que crianças com maior idade ou mais desenvolvidas, do ponto de vista cognitivo, podem aceitar passivamente a interação, mas não a buscam ativamente;
  • Comprometimento ou falta de reciprocidade social ou emocional ⇒ Crianças com TEA não participam ativamente de jogos ou brincadeiras sociais simples, preferindo atividades solitárias, podendo envolver as pessoas em atividades, entretanto como instrumentos ou auxílio mecânico.
  • As brincadeiras imaginativas, em geral, estão ausentes ou se apresentam comprometidas; essas crianças tendem a não se envolver em rotinas simples, ou fazem-nas fora do contexto esperado ou de um modo mecânico. Podem estar ausentes dos jogos espontâneos de faz de conta ou de imitação social apropriados ao nível de desenvolvimento;
  • Ausência ou comprometimento na habilidade para reconhecer aspectos dos sentimentos ou respostas das outras pessoas. Podem atuar de maneira socialmente inapropriada, o que lhes dificulta ter êxito nessas situações, em desenvolver relações pessoais ou amizades desde os primeiros anos;
  • Muitas crianças com TEA podem aparentar ser muito afetivas, pois aproximam-se das pessoas abraçando-as, tocando-as (ex: mexendo em seus cabelos), beijando-as etc; tais comportamentos podem assumir um caráter indiscriminado, sem diferenciação das pessoas, lugares ou contextos.

Adesão às rotinas e/ou a determinados comportamentos, os quais podem assumir um caráter excessivo, restrito, inflexível e anormal em intensidade e foco:

● Sobre um Padrão de Comportamento Estereotipado:

Definir um padrão estereotipado não é tarefa simples. Para Delgalarrondo (2019) está inserido dentro das alterações da psicomotricidade . Recentemente muitas dessas estereotipais seriam explicadas por alterações sensoriais, como veremos mais adiante. Os movimentos estereotipados (estereotipias motoras ou vocais) seriam repetições automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo ou não, geralmente indicando perda do controle voluntário, sem objetivo ou finalidade, podendo ocorrer dezenas de vezes ao dia. Dentro desses grupos, podemos citar:

  • Movimentos das mãos semelhantes ao bater de asas (flapping). Pode-se encontrar também em crianças, em adolescentes e em adultos com TEA dentro desse mesmo contexto as reações em eco : a ecopraxia (repetição de uma determinada atitude), ecolalia (repetição da fala) e mais raramente a ecominia, repetição dos gestos;
  • Abanar as mãos, estalar os dedos;
  • Balanceio da cabeça e do corpo;
  • Girar sobre si mesmo;
  • Golpear os olhos com o dorso das mãos;
  • Auto manipulação de partes do corpo;
  • Enfileirar um número exato de brinquedos da mesma maneira de forma repetida, ou imitar várias vezes as ações de um ator de televisão;
  • Fala de caráter repetitivo (palavras, frases ou determinados padrões de prosódia);

● Adesão às rotinas e/ou a determinados comportamentos, os quais podem assumir um caráter excessivo, restrito, inflexível e anormal em intensidade e foco:

  • Resistência às mudanças de caráter irrelevantes ou pequenas, provocando sofrimento desproporcional. Exemplos: “mudanças relativas ao uso de objetos pessoais, como um copo favorito”, “determinadas marcas de alimentos”, “roupas favoritas”; “mudanças de itinerário à escola” etc;
  • Interesses restritos, fixos em intensidade e em foco: como apego excessivo a determinados objetos inanimados ou a partes específicas do mesmo. Por exemplo, conduzir durante a maior parte do dia uma tampinha de garrafa ou canudinho, acumular revistas, números de telefones, datas, etc;
  • Interesses circunscritos, diferentes dos hábitos lúdicos de crianças neurotípicas, já que tendem a ser anormais em intensidade e em foco, bem como, de natureza circunscrita . Exemplos: “determinados temas específicos, como coleções de pedras exóticas”, “informações, pesquisa e coleções relacionadas a dinossauros”, não “agregam valor” social através de compartilhamento;
  • Insistência na adesão às regras e na rigidez cognitiva (pensamento rígido);
  • Padrões ritualizados e repetitivos relacionados ao comportamento verbal ou não verbal. Ex: perguntas literalmente repetitivas, muitas vezes relacionadas a respostas repetitivas do interlocutor.

Sobre diferentes respostas a estímulos sensoriais:

Recentemente o DSM-5 da Associação Americana de Psiquiatria, incluiu alterações na esfera sensorial como um dos critérios que fazem parte da 2a dimensão de sintomas (padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades) necessários para o diagnóstico do TEA. Existe um número considerável de estudos relatando que 60-90% das pessoas com TEA apresentam aparentes alterações no sistema nervoso sensorial. Tais alterações não se restringem apenas aos canais (vias) sensoriais, mas comprometem as atividades diárias e o comportamento das crianças e de seus familiares. Entre as principais alterações sensoriais, podemos citar:

  • Evitar situações onde haja desconforto sensorial (Ex: seletividade alimentar, recusa em comer determinados alimentos por conta da textura, sabor ou odor, levando a um outro problema, a nutrição desequilibrada);
  • Fascinação pelo movimento em geral ou objetos giratórios (ex: rodinhas dos brinquedos em movimento, o abrir e fechar de portas, ventiladores de teto, objetos com movimento giratório rápido etc.);
  • Fascinação por aspectos elementares dos objetos como seu odor, sabor, textura, partes do objeto, preterindo o objeto como um todo, interferindo nas atividades lúdicas e na interação com outras crianças, pois, a atividade ou o uso de determinado brinquedo assumem um caráter disfuncional;
  • Utilizam os sentidos mais próximos, colocam objetos ou brinquedos na boca, quando isso não é mais apropriado para a idade ou o fazem de maneira repetitiva; podem cheirar os objetos de forma repetitiva; brincam de forma obsessiva com a água, manipulam os interruptores de luzes ou mesmo dos brinquedos;
  • Reações desproporcionais ou agressivas ao toque, medos desproporcionais de altura ou de movimentos quando considerada a faixa etária;
  • Dificuldades na coordenação, andar de forma estranha ou desajeitada (marcha atípica), andar na ponta dos pés;
  • Hipersensibilidade auditiva ou visual: tampa os ouvidos com as mãos quando ouve determinados ruídos ambientais, desconforto com determinados tipos de luminosidade, dificuldade em se concentrar ou terminar atividade/tarefa causados por desconforto ou incômodo quando presentes ruídos ambientais ao fundo.

FONTES
Assumpção Jr. FB. Semiologia na Infância e na Adolescência (1a edição). Rio de Janeiro: Atheneu, Cap. 12, p. 159, 2017. ISBN 978-85-388-0762-9

Bandim, José Marcelino. A criança autista e a escola. Uma abordagem prática: para profissionais da área de educação, saúde e familiares em geral. Recife: Edições Bagaço, 2011. 160 p. https://www.atheneu.com.br

Bandim, JM. Autismo.Uma Abordagem Prática (2a edição). Recife: Edições Bagaço, 2011, pp. 47-60. https://www.atheneu.com.br
Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais (recurso eletrônico). 3a edição. Porto Alegre: Artmed, 2019. E-pub.

Elwin M, Ek L, Kjellin L, Schrõder A. Too much or too little: hyper and hypo-reactivity in high-functioning autism spectrum conditions. J Intellect Dev Disabil. 2013; (38): 232-41.

Posar A, Visconti P. Sensory abnormalities in children with autism spectrum disorder. J Pediatr. 2018; 94 (4):342-350.

Prates LPCS, Martins VO. Distúrbios da fala e da linguagem. Rev Médica de Minas Gerais (RMMG). 2020; vol: (21), suppl 1: 1-9.